sexta-feira, 19 de março de 2010

JG de Araújo Jorge

Cantiga do Só

Sem papel
escreveria como Anchieta à Virgem
nas areias brancas.

Sem praias, rabiscaria as paredes
ou riscaria o chão.
Sem chão, em suspenso, no espaço,
sem nada ver, sem nada encontrar,
ainda assim eu comporia
no ar,
no coração.

Se penso, ou sinto,
a emoção é palavra
e o silêncio é canção
ou hino.

- Que fazer?
É o meu destino.

JG de Araújo Jorge

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Vania Gondim

Tarde de verão

os pensamentos voam
nessa tarde quente de verão

os sonhos se foram primeiro
ficaram presos entre nuvens

com a chuva desabam os sonhos
o passado insiste em ser presente

as ruas se inundam de água
misturadas ao meu pranto

VaniaGondim

domingo, 31 de janeiro de 2010

VaniaGondim

Momento

quero guardar o exato momento
sussurro cadenciado na madrugada

dedilhado de melodia leve
pelos meus bemóis e sustenidos

extração com êxito
dos tons e semitons

retirando fora as dissonantes
sinfonia de amor

VaniaGondim

VaniaGondim

Vai e vem

Você nunca decide
vive no vai e vem
parece vinil arranhado
que no melhor da música
não deixa ouvir a canção

Meu amor,
você diz que ainda me quer
que nunca vai me esquecer
vai ficar velho ao meu lado
mas você vai e vem

Meu amor,
você nunca resolve
não sabe o que quer
sei que amor não acaba assim
você confirma com seu vai e vem

Eu quero lhe dizer
sim, é preciso decidir
não posso mais esperar
esse seu vai e vem

Se pretendentes desejam
dançar comigo um bolero
meu pezinho fica um leque
e você só vai e não vem?

VaniaGondim

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Cassiano Ricardo

A Rua

Bem sei que, muitas vezes,
O único remédio
É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
A dívida, o divertimento,
O pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
De continuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
Numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não, apenas,
Esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.

A esperança
Nunca é a forma burguesa, sentada e tranqüila da espera.
Nunca é figura de mulher
Do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Vania Gondim

Maus presságios

Será mesmo que sabe o que faz,
quem deixa o cais de um porto seguro,
e se aventura nos mares de uma paixão?

Talvez esqueça que os mares são traiçoeiros,
em tempos de tempestades, são muitos os ventos,
é possível perder o rumo e até mesmo a embarcação

Quando perceber está no meio do oceano
não seguiu as lições de bons marinheiros
que escutam os avisos do tempo,
fugindo de nuvens negras e passageiras

Quando entender pode ser muito tarde
enveredar-se na ilusão de uma paixão
restando apenas o triste naufrágio,
desaparecendo para nunca mais.

VaniaGondim

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

VaniaGondim

Coloridos reversos

quero este laço
entrelaçando teus braços
no aconchego do ninho

quero este riso
com gosto de sol
cheiro de sal
entre algas verdes marinho

quero as cores dos versos
dançar os reversos
de um novo arco-íris

sábado, 5 de setembro de 2009

Artur da Távola

TEMPO

Hoje eu sou poesia,
Pedaço de nuvem
Nas mãos do teu dia.

Eu sou amargura,
Espaço de espanto
Num céu de loucura.

Hoje eu quero ser jardim,
Temporada de espanto
No sorriso de teu sim.

Agora vai ser a vez
Da esperança sem lança,
Da amizade sem força,
Do afago sem sexo,
Do sexo sem falsa noção de esmagar.

Chegou o tempo
De ser
E amar

Cecília Meireles

Á HORA EM QUE OS CISNES CANTAM ...


Nem palavras de adeus, nem gestos de abandono.
Nenhuma explicação. Silêncio. Morte. Ausência.
O ópio do luar banhando os meus olhos de sono ...
Benevolência. Inconseqüência. Inexistência.

Paz dos que não tem fé, nem carinho, nem dono ...
Todo perdão divino e a divina clemência!
Oiro que cai dos céus pelos frios do outono ...
Esmola que faz bem ... – nem gestos, nem violência ...

Nem palavras. Nem choro. A mudez. Pensativas
Abstrações. Vão temores de saber. Lento, lento
Volver de olhos, em torno, augurais e espectrais ...

Todas as negações. Todas as negativas.
Ódio? Amor? Lê? Tu? Sim Não? Riso? Lamento?
- Nenhum mais. Ninguém mais. Nada mais. Nunca mais ...

Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos Poemas
1923

FlaVcast

Chuva
04.09.09

Chove em minha janela
Chove forte e bate de frente
Com meu silencio desfecho
Em pingos diretos
...batem
A explodirem como coroas

Depois...
Acalma o vento
Sua fala é baixa tensão
Se fossem azuis
Rosas... azuis
Perfumariam a noite
Em pingos de sons.

Oswaldo Antônio Begiato

CINZAS DA SANIDADE

Varro o chão
Onde caíram as palavras comportadas
Que por entre dedos gélidos
De minhas mãos rudes
Deixei escapulir, por obstinação.

Junto-as e cremo-as.

As cinzas, entrego-as ao vento;
Leve-as ele para bem longe de mim,
Fantasma que são
Do poema reto
Que não me permiti consumar.

Não lapido as palavras.
Não destilo as palavras.

As lapidadas,
Deixo-as aos jovens apaixonados.
As destiladas,
Aos que delas se tornaram amantes incorrigíveis.

Quero-as selvagens,
Cheias de quinas e fios,
Cheias de doenças e vícios,
Para que quando brotarem de dentro de mim
Rasguem-me a carne,
Contaminem-me o sangue
E façam-se poemas tortos:
Eles me conferem vida intensa.

Não quero, pois, o poema da breve paixão,
Nem o da paixão amancebada:
Eu vou é me casar, para sempre, com o Cântico Negro.

Roberto Marinho de Azevedo

Quando Partes

Quando partes, não fogem as andorinhas,
Mas diabos espertos se instalam
Sob os móveis, tecendo mil intrigas
Como magras megeras desdentadas.
Quando te vais, não calam as avezinhas,
Mas começam a piar iniquidades.

Carlos Drummond de Andrade

Soneto da perdida esperança
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

Carlos Drummond

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Jandira Grillo

ARREPENDIMENTO

Se ao coração que chora fora dado
Em dose,embora escassa de beber,
A taça misteriosa do esquecer,
Quanto ser viveria embriagado.

Viver embriagado do viver,
E não lembrar jamais o que é lembrado,
Lembrar somente e apenas com cuidado
Que o cuidado maior é o de esquecer.

Divina fantasia de quem ama,
Tolher a chama ,quando a vida é chama
Matar a sede,quando a sede é de arte.

O intimo mistério de querer-te!
Maior que a própria pena de perder-te
Foi o arrependimento de buscar-te!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

James Joyce

Poema XXXIV

Durma agora, durma agora
fala meu inquieto coração
a voz chora: “durma agora”
É se faz ouvir no meu coração.
A voz do vento
se ouve na porta
Oh durma, para esperar a pri-ma-ve-ra
que está chorando: “Durma agora”.
Meu beijo trará a paz
E aquietará o coração
Durma agora em paz.
Oh inquieto coração.

James Joyce
Tradução: Eric Ponty

Anibal Beça

CÂNTICO DE CÂNTARO

Meu canto é fluvial
é cântico das águas
de cântaro canoro
enviesando várzeas.

Carrego em bilha ou pote
nossas moringas de águas
lamentos e benditos
num rosário de mágoas.

Comigo vai o canto
Que eu levo dentro da alma
Canto levado de espanto
Encantado que me acalma

Nas estações do verde
ciclos de nossas águas
marés cheias no outono
um verão de águas baixas.

Adélia Prado

"Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo."

sábado, 15 de agosto de 2009

Manuel Bandeira

A Camões

Quando n'alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil trizteza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

Reversos da vida

Reversos da vida

viro páginas
vento frio
preciso agasalhar

faço versos
sinto os reversos
seguirei a cuidar

cruzo esquinas
acendo velas
sinto fogo incendiar

VaniaGondim

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Índice Julho 2009

Explicando: Eu me calo - o clip

Fiz este clip de um poema de Oswaldo Antônio Begiato, dedicado ao meu filho André, de 27 anos, após seu transplante de duplo pulmão – Outubro/2008, musicado pelo seu pai, Sinédei Moura, e transformado por mim num clip de agradecimentos: em primeiro lugar a Deus, em segundo aos Deuses de todos os Sóis, em terceiro, pela coragem, força e alegria que aprendo a cada dia com a minha estória, e com a de todos que estão em minha volta, e a mim transmitem bons fluidos.

Amém.

Eu me calo

sábado, 4 de julho de 2009

Emiliana Delmina

ALMAS QUE SE BUSCAM


Como ao impulso material buscamos
um ser eleito, um emotivo ser,
assim nossa alma, sem que o percebamos,
busca outra alma que a saiba compreender.

São peregrinas que permutam ramos
da do bem querer.
E, nessas horas, sem dormir, sonhamos
raras delícias que nem sei dizer.

É o aroma sutil da afinidade
isenta de paixão ou de ansiedade,
envolvendo dois seres imortais.

É sentimento puro, imaculado,
essência sem veneno do pecado,
é sidérea poesia – nada mais.

Emiliana Delminda
in Folhas Caídas

terça-feira, 30 de junho de 2009

Rubem Alves

A palavra é o começo de tudo.
Com a palavra o universo começou.
Com a palavra,nós começamos.
Somo poemas encarnados.
Somos as estórias que moram em nós.
Se as estórias que moram em nós
formarem estórias belas,seremos belos
e bons.
Toda palavra genuína,deve nascer do silêncio.
Não posso crer nas declarações de solidariedade
daqueles que não frequentam a solidão da sua
própria consciência.

(Rubem Alves)

Paulo Leminski

AMOR BASTANTE

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo Leminski